domingo, 8 de setembro de 2013

Sopapo sendo construído hoje no RS



Zé Batista criou as medidas certas para produzir o tambor

Em uma pequena oficina localizada na Santa Terezinha, Neives José Madruga Baptista, o Zé Batista, passa grande parte do seu dia. Com as mãos de artesão vai dando forma ao compensado que, pouco a pouco, se transforma na base do sopapo, instrumento de percussão trazido pelos escravos. O ofício de produzir tambores aprendeu com o pai, mestre griô Baptista o “construtor” de sopapos.

Muitos segredos envolvem a produção do tambor que carrega um pouco da história dos negros que chegaram a Pelotas como escravos para trabalhar nas Charqueadas. “Foi no ano de 2000 que Giba Giba procurou o mestre para participar do projeto Cabobu que tinha como finalidade chamar a atenção de todos para a possível extinção do instrumento, que traz em si a história viva do povo africano”, conta Zé Batista. Ao lado do pai apoiou a iniciativa e ajudou a produzir 40 sopapos.

  Zé Batista criou as medidas certas para  produzir o tambor

Medidas precisas

A confecção deste tambor exige muita atenção, as medidas devem ser precisas. Batista explica que a folha de compensado utilizada para criar a base do tambor deve ter quatro metros e o grande segredo são as medidas utilizadas para cortar o compensado, criadas por ele. O couro de cavalo é fundamental para retirar o grave absoluto do som cadenciado. O couro de gado é outra opção.

“Eu sempre trabalhei com a parte de cálculos e o pai na montagem”, lembra Batista. A partir das medidas consideradas originais do instrumento de percussão que eram de 1,5 metro de altura por 60 de diâmetro novas contas foram feitas para a fabricação do sopapo de um metro por 50 centímetros de diâmetro. “Abaixo de um metro não é mais considerado um sopapo”, destaca.

Muitos detalhes ainda envolvem a fabricação do tambor como o reforço interno com gravatas (tiras de compensados), aros, parafusos de tensão e a utilização de equipamentos artesanais, criados especialmente para a fabricação do instrumento.

A exemplo do pai, Zé Batista também quer no futuro ministrar oficinas e assim passar os ensinamentos. “Esta é uma forma de manter viva a memória do mestre Batista que dedicou a vida à música, ao samba e à fabricação de instrumentos de percussão.”

Para o músico e artesão entrar diariamente na oficina e pegar o compensado, fazer as marcações e dar início à fabricação de mais um instrumento também é uma forma de sentir a presença do pai ao seu lado. “Este trabalho que realizo é por amor, não por interesse financeiro. Também é uma forma de manter viva a história deste tambor que foi utilizado pelos escravos e mais tarde pelos sambistas nas escolas de samba”, ressalta o artesão.

Mestre Batista

O pelotense Neives Meirelles Batista ou o mestre Batista era carnavalesco, músico e sambista. Luthier de instrumentos percussivos e mestre griô. Responsável, junto com o músico Giba-Giba, pela revitalização do sopapo, foi figura importante do projeto Cabobu.

Suas atividades como mestre griô foram desenvolvidas em oficinas ministradas nas escolas Dunas e Alcides de Mendonça Lima e no Instituto de Menores, momento em que também transmitiu seus conhecimentos sobre a cultura afro.

Outro trabalho que desenvolveu foi o samba de roda, que resgatou músicas antigas que eram cantadas na senzala e outras que foram passadas de família. Mestre Batista foi figura importante do Carnaval de Pelotas, tendo atuado em várias funções, como ritmista, ensaiador e mestre de baterias em escolas de samba e blocos como Estação Primeira do Areal, Academia do Samba, Imperatriz da Zona Norte e General Telles.

A exemplo do pai, Zé Batista também tem uma forte ligação com o samba e a prova é a Bateria Show Uirapuru que comandou em inúmeras apresentações fora do Estado.

No ano passado, aos 77 anos, após lutar três anos contra um câncer no intestino, mestre griô deixou para todos os seus ensinamentos e carisma.

Giba-Giba e o Cabobu

O ano era 1999 e o poeta, percussionista, cantor e compositor que representa a força da cultura negra no Estado, Giba Giba conversava com diversas pessoas sobre o sopapo. Ao subir no palco perguntou pelo sopapo e para sua surpresa muitos músicos não conheciam o instrumento. “Neste momento parei e imediatamente senti que algo tinha que ser feito, desta forma surge o projeto Cabobu”, conta Giba Giba.

Em 2000 e 2001, foram realizadas, então, duas edições do Projeto Cabobu em Pelotas, através da ação do músico Giba Giba, chamando a atenção para a possível extinção do instrumento.

Um dos principais pontos do projeto era buscar alguém que fabricasse o tambor. Surgiu então o nome de mestre Batista. Outra pessoa que Giba Giba considera muito importante para o desenvolvimento do projeto é o ex-diretor do Colégio Municipal Pelotense, vereador Luiz Eduardo Brod Nogueira, que cedeu espaço na escola para a realização das oficinas. A relação do músico com o sopapo é muito forte, afinal, começou a tocar o tambor aos 17 anos.

Para Giba Giba a iniciativa de Zé Batista em dar continuidade ao trabalho de seu pai, é muito importante porque irá ajudar na divulgação da história e a importância deste instrumento.

  

Alabê Ôni

Alabê Ôni é um grupo de percussão que se reuniu para agregar as manifestações dos tambores que tocam historicamente nas terras do Rio Grande do Sul, como divulgar além das fronteiras do Estado o sopapo.

O nome Alabê Ôni na língua yorubá significa nobre tamboreiro ou grande mestre dos tambores, o que não deixa de ser uma homenagem dos músicos Richard Serraria, Pingo Borel, Mimmo Ferreira e Kako Xavier à ancestralidade assaltada da África e que resistiu por séculos em terras distantes.

Kako Xavier destaca que no Rio Grande do Sul, é possível entender essa história através do documentário em longa-metragem O grande tambor, produzido pelo Coletivo Catarse. "O trabalho do Alabê Ôni não deixa de ser uma continuação de O grande tambor em que o personagem principal é o sopapo, matriz do samba gaúcho”, diz Serraria. O grupo atualmente está em Pernambuco onde faz diversos shows e em novembro lança em Porto Aleger o DVD Alabê Ôni.

Breve história do sopapo

Existem histórias sobre como surgiu o sopapo no Rio Grande do Sul, uma delas é que os escravos produziram pela primeira vez o instrumento a partir de um tronco de árvore. O tambor era utilizado em rituais para homenagear os orixás após a matança do gado. Estas possibilidades não possuem uma confirmação.

O professor do curso de Licenciatura e Bacharelado em Música da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Mário de Souza Maia, aprofundou o tema em sua tese de doutorado Sopapo - Etnografia de uma tradição percussiva no extremo sul do Brasil e constatou que existem alguns registros do surgimento do instrumento no sul do país.

“Esta pesquisa aborda, pelo método etnográfico, o sopapo, um gênero de tambor de grandes dimensões existente nas cidades de Rio Grande, Pelotas e Porto Alegre, sua sonoridade e presença nos universos do Carnaval e da música popular. Este instrumento, produto da reconstrução diaspórica dos escravos (sequestro dos negros do continente Africano) trabalhadores nas charqueadas em Pelotas, no século 19, foi amplamente usado a partir da década de 1950 em escolas de samba nestas três cidades”, destaca o professor.

Os negros ao chegarem às américas traziam em suas mentes toda uma cultura. Cada contexto forneceu condições para o processo de reconstituição cultural deste povo, mais visíveis na sua religiosidade e na música. “Dentro deste contexto certamente os tambores que eles usavam foram reproduzidos nesta região de Pelotas e Rio Grande, com as técnicas que conheciam”, conta o professor.

Especulações

Um dos registros que existem sobre o sopapo, que na época não tinha este nome, é o do alemão Carl Seidler que a serviço de dom Pedro I, na luta contra os espanhóis, quando de passagem pelo canal São Gonçalo em 1827, fez uma escala na então Freguesia de São Francisco de Paula, no local denominado Passo dos Negros, e foi convidado para assistir a uma cerimônia que definiu como um casamento entre negros.

Ele escreveu um texto que, provavelmente, conta o professor, é uma das primeiras referências a uma expressão da cultura musical em que descreve o sopapo. No texto diz: “Dois homens carregavam um grosso pedaço de tronco oco, revestido de couro, no qual logo um deles começou a bater com os pés como num tambor; outros instrumentos, de sons que casavam como o do tambor apareceu pouco a pouco e rompeu uma música...”.

O que chamou a atenção de Maia foi que em torno de 30 anos após a passagem de Seidler pela região, mais precisamente em 1857, o alemão Hermann Rudolf Wendroth pintou uma aquarela em que registra outro ritual, o qual descreve como Nigertnza (dança dos negros), também na região de Pelotas. Mais uma vez o sopapo aparece e um negro toca o tambor. Este é o cenário inicial quando foram feitos os primeiros registros da cultura expressiva musical e coreográfica dos escravos na região de Pelotas e Rio Grande.

Uma terceira história chamou a atenção de Maia. João Jorge de Quadros, conhecido popularmente por Sardinha, responsável pela criação da Escola de Samba General Vitorino conta que trabalhava como motorista para a indústria Swift em Rio Grande e ao ser encarregado de pegar as bagagens de um casal, que chegava para assumir um cargo na diretoria da empresa, se deparou com um tambor grande, abaloado, com aproximadamente um metro de altura que haviam comprado em Cuba. Sardinha não pensou duas vezes e pediu o instrumento para usar no Carnaval na bateria da escola.

O espaço de tempo entre as duas primeiras histórias e a de Sardinha é muito grande, mas o que pode vir a criar um elo entre as narrativas é o fato de que na época das charqueadas os barris eram utilizados para transportar mercadorias e podem ter servido de base para a criação de instrumentos. “Os escravos poderiam ter aproveitado alguns barris descartados e assim construir os tambores abarrilados”, destaca o professor.

De uma forma ou de outra a história nos remete à cultura do negro que hoje está presente nas danças, na música e nos costumes do povo brasileiro. Zé Batista em sua oficina continua a fazer a sua parte difundindo a história do sopapo.

Publicado em http://www.diariopopular.com.br/estilo/index.php?n_sistema=3101&id_noticia=NzMzODQ=&id_area=MA==

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