Mesmo em silêncio, na
tarde quente de 3 de fevereiro de 2014, quando o sol nasceu após o dia
de Iemanjá, Giba Giba tocou seu último sopapo na terra.
As
mãos que tocam o som grave retumbam um adeus de eternidade a uma
construção necessária e significativa na história negra do estado. Uma
construção que não pode se calar e que muito foi levantada – e
urgentemente entoada por mãos negras estendidas à voz e ao toque do
sopapo. Pelotas é terra de Mestre Baptista, terra de Giba Giba, solo
negro de dois fundamentais ícones na disseminação e popularização do
tambor que traduz muito da identidade musical afro-gaúcha. Deixando
saudades, reconhecimentos e emoções, o negro conhecido por suas vestes
coloridas, sua vivacidade na música e seu toque que exprime gravidade e
força, foi tocar seu sopapo junto aos seus ancestrais. Partiu, deixando
sua marca de dedicação, devoção e luta à história que muitos tentam
apagar.
“Sua obra é viva
nesse ‘Lugarejo’ e seus seguidores permanecerão batendo tambor para
lembrar que o estado mais meridional do país, entendido por muitos como a
“Europa do Brasil”, também é, inegavelmente, a ‘África do Brasil’”,
declarou o músico e ativista cultural Richard Serraria, amigo pessoal de
Giba e parceiro em projetos com o percussionista. Em corações, a
saudade: “Ele nos deixa o legado de que o som não pode parar e que suas
mãos ainda vão seguir tocando o som negro-gaúcho”, disse, emocionada,
Natália Pereira, que conheceu o músico através de sua pesquisa na
Universidade sobre a história do negro no RS.
Giba Giba foi uma das grandes inspirações do documentário O Grande Tambor,
produzido pelo Coletivo Catarse. De acordo com idealizadores do
projeto, ele foi a fonte inicial de pesquisa e o precursor da
resistência de uma história que vem aos poucos vindo à tona, desde o
início deste novo século, quando idealizou o Projeto CABOBU e conheceu
aquele que viria a se tornar seu amigo, Mestre Baptista. Dali, dos
primeiros 40 Sopapos construídos, o tambor vem em 15 anos retomando seu
espaço devido na cultura brasileira e gaúcha e já não mais pode ser
considerado em extinção.
Fica
a sua história, sua contribuição, seu legado, seu toque resistente às
mais diversas e estúpidas tentativas que buscaram calar o som
incessante, contundente e necessário do sopapo. Como herança dos negros
que construíram o estado através do tenebroso e triste trabalho nas
charqueadas, o instrumento hoje toca, buscando ainda mais a liberdade. A
canção de Serraria “a palma da tua mão é branca, meu irmão, o canto do sopapo é negro, negão” percebe a magia do som afro que ainda ecoa: “Gigabytes de emoção… Giba Giba, gigante negão.” Nossos
mestres estão indo, mas deixam heranças. A história não para. E o som
precisa seguir com o grito genuinamente grave e sagrado, tocado por
mãos negras e santas, como as de Giba Giba.
Nenhum comentário:
Postar um comentário